O homo-sapiens criou o
conceito de tempo para auxiliá-lo em sua organização e, tal como um aprendiz de
feiticeiro, ainda está atrapalhado com sua própria invenção.
Na
condição moderna de vida os compromissos assumidos são geralmente em quantidade
superior aos possíveis de serem atendidos num ritmo seguro, sem estafa. Dia
após dia, as ansiedades acumulam-se mantendo-nos em permanente estado de
tensão, impedindo que o organismo realize sua manutenção básica e adaptações
biológicas, agravado quando interferem no apetite e no sono.
A
ansiedade já é considerada o mal do século. Estudo, trabalho e notícias,
esgotam o ser humano pelo ritmo com que se impõem, levando-o ao enfarto ou a
internamento por estresse aos 40 anos. Técnicas de relaxamento e meditação são
difundidas, mas poucas consideram o planejamento mínimo para a administração
das tarefas e gestão dos compromissos, também chamada de administração do tempo. O melhor é aprender a definir o que é ou
não importante, programar, priorizar e fazê-lo sem que a tensão nos tire o
controle, a tranqüilidade. Ajuda quando aprendermos a "pedir tempo",
cancelar compromissos, saber dizer sim
e, principalmente, a arte de saber dizer não.
Assumir
nossa parte de responsabilidade em relação aos acontecimentos, livrando-nos da
crença greco-romana na divindade Hades/Destino, que escrevia a história de todo
ser humano logo ao nascer. Essa ideia é desestimulante, pois leva a crer que
todo o esforço que realizamos para viver melhor não alterará nosso futuro! O
livre-arbítrio, constante na teologia judaico-cristã, é mais consistente e
positivo.
O nascimento do tempo
Imaginamos que a ideia de tempo surgiu naturalmente da
necessidade do homem buscar movimentos repetitivos, com ciclos definidos, para
usá-los como referência aos movimentos de suas atividades: plantio, pesca,
comércio, festejos, compromissos, história, etc..
Os movimentos da Lua e do Sol
foram os primeiros padrões utilizados, por serem facilmente perceptíveis. Os
primeiros registros de calendários no ocidente apareceram após a criação da
escrita por volta de 4.000 a.C. e baseavam-se no ciclo lunar.
A rotação da lua
em seu eixo dura o mesmo tempo de sua translação ao redor da Terra: 29d 12h 44'
2,8". Este sincronismo faz com que a mesma face permaneça voltada para a Terra, o que certamente atrasou o entendimento da mecânica celeste e o
reconhecimento da teoria heliocentrista em pelo menos 2 milênios. O uso das
fases da Lua (nova, quarto-crescente, cheia e quarto-minguante) levou aos conceitos de semana e mês, e ao ciclo das estações ao de ano.
Posteriormente, o homem fixou-se no cíclico movimento
aparente do Sol devido à rotação da Terra em seu próprio eixo.
Esse movimento
já havia iludido Aristóteles (384-322 a.C.) que, por sua importância
político-filosófica, induziu astrônomos a acreditarem no geocentrismo,
inclusive Ptolomeu (90-160) e a Igreja, através Tomás de Aquino no séc.XIII.
Isso apesar de Aristarcos de Samos (310-230 a.C.) já ter proposto o
heliocentrismo, defendido timidamente por Copérnico em 1543 e polemicamente por
Galileu em 1610, que despertou o mundo para tamanho erro de percepção. A
dependência e a ditadura cultural, os "dogmas científicos" e as
crendices, inibem o desenvolvimento do conhecimento humano.
Desde 1992, o Papa
João Paulo II tem corajosamente pedido perdão dos erros cometidos pela Igreja: na condenação de Galileu, pelas morte de Giordano Bruno e em outras ocasiões.
A evolução do conceito
Os filósofos estoicos, há cerca de 2300 anos, na Grécia,
definiram o tempo com rara lucidez: "Tempo é a medida do movimento."(6)
Euclides (séc. III a.C.) estruturou as formas geométricas no espaço
estático.
Descartes (1596-1650) em seu método analítico racional dividiu o
espaço em eixos vetoriais (coordenadas cartesianas x, y, z) e o fenômeno físico
do movimento foi desmembrado em variáveis (velocidade, aceleração, direção,
sentido) para facilitar o tratamento matemático. Newton (1642-1727) criou o
conceito de quantidade de movimento integrando a essas variáveis outras como:
massa, energia cinética, etc..
Riemann(1826-1866) desenvolveu o conceito de
espaço contínuo além da geometria euclidiana, onde a métrica está relacionada
com a matéria e suas forças, usado depois por Einstein. Minkowski (1864-1909) acrescentou
ao espaço uma quarta dimensão, o tempo, criando o espaço-tempo plano, precursor
da Teoria da Relatividade. Einstein (1879-1955) criou o conceito do fóton,
partícula de energia eletromagnética, sujeito a influência dos campos
gravitacionais. A teoria da Relatividade Geral considera esta influência e
define o espaço-tempo "curvo" próximo às grandes massas.(4) Hoje se considera que
o espaço é sempre preenchido por campos (gravitacionais, magnéticos, etc.), é o
espaço-campo. (5)
As diversas faces do tempo
Com o passar das gerações o homem perdeu-se em sua criativa
ideia, passando a acreditar que o tempo, um dos componentes do movimento, existisse por si, independentemente, dando à relação numérica entre movimentos
uma configuração de fenômeno físico, além de confundir-se no próprio vocábulo.
O vocábulo tempo é seguramente a maior razão da dificuldade do seu
entendimento, visto sustentar os mais diversos significados, como: duração,
época, momento, período, ocasião, ação dos verbos, antigamente (há tempos),
oportunidade, ritmo, etc.
Mas podem ser agrupados em 3 significados básicos:
tempo atmosférico/espacial ou condições climáticas de uma região; tempo
cronométrico ou medição comparativa de movimentos; e tempo psicológico ou
percepção mental da duração e seqüência de eventos, próprio a cada pessoa.
Apesar da confusão de conceitos, não é difícil perceber que
o tempo medido ou cronométrico não existe como fenômeno da natureza, tal como,
o espaço, o movimento, a energia, a gravidade, as ondas eletromagnéticas e
outros fenômenos naturais ou artificiais comprovados direta ou indiretamente. É
apenas um índice, uma relação matemática. Como a percentagem, por exemplo, onde
o 100 do denominador é o movimento padrão de rotação da Terra - o dia.
Confusão
semelhante ocorreu com os conceitos de calor (fenômeno energético) e temperatura (medida da variação da energia calorífica), e foi necessário um
longo período para que esses conceitos fossem distinguidos por Joseph Black
(1728-1799).(4)
Uma viagem no tempo
É antiga a crença em um tempo onipresente e onipotente. Para
os gregos e romanos o titã Cronos/Saturno, o guardião do tempo, após usurpar o
trono de seu pai Céu/Urano tornou-se o deus supremo. Amaldiçoado por Urano a
ser também deposto por um filho seu, Cronos, ao casar com Réia, precaveu-se
comendo todos os seus filhos recém-nascidos. Réia revolta-se e usando
artifícios consegue que seu sexto filho Zeus/Júpiter seja criado por pastores,
cresça e vença Cronos. A ideia de que o tempo não domina o Universo foi esquecida.
A viagem no tempo é colocada na ficção como um fenômeno que
nos leva a crer que "tudo está acontecendo todo tempo", de modo que
podemos ir ao passado ou ao futuro que "ele" estará lá. É conhecida a
história do personagem Super-Homem que, para evitar a morte de sua amada, voa
velozmente no sentido inverso ao movimento da Terra até faze-la girar ao
contrário as voltas necessárias para "voltar no tempo". Caso fosse
possível, a superfície do planeta seria arrasada por ventos e maremotos, devido
a inércia. Mas o autor já percebe que para voltar no tempo terá que voltar
todos os movimentos ocorridos no período naquele sistema. Intuímos que para
voltar no tempo teríamos de "desfazer" todos os movimentos que
ocorreram dentro de um sistema, que teria que ser o Universo. Não conseguimos
imaginar a menor possibilidade disso ocorrer.
Já os relativistas consideram que para "voltar no tempo", o herói voa na velocidade próxima a da luz até conseguir "atrasar o tempo" necessário para salvar Lois Lane. Em 1905, Albert Einstein enunciou sua Teoria da Relatividade Restrita, abalando alicerces da Física Clássica, e quebrando vários paradigmas do senso comum, entre eles, o fato de o tempo parecer absoluto. Ele propôs o "paradoxo dos gêmeos", onde o relógio do tempo passa mais lento àquele que se desloca mais rápido em uma viagem galática. Ao voltar à Terra, encontra seu irmão mais envelhecido do que ele! Esse fenômeno já foi comprovado na prática.
Veja outra imaginativas e curiosas reflexões sobre o movimento e o tempo . Os filósofos gregos Mêlissos de Samos e
Zênon de Elea (séc.V a.C.) negavam a existência real do movimento, considerando
que todo movimento é apenas aparente! (6) Boltzmann (1844-1906) considerava que
a entropia do universo estava relacionada com "o sentido do tempo",
podendo haver locais onde o tempo "corre ao contrário"! (4)
Os sábios e o tempo
Isaac Newton em seu "Tratado da Quadratura das
Curvas", relaciona o tempo como um fenômeno físico capaz até de gerar
curvas(!?), sem maiores explicações. Vejam: "Considero aqui as quantidades
matemáticas, não formadas pela adjunção de partes mínimas, mas descritas por um
movimento contínuo. As linhas descritas, e portanto geradas, não por aposição
de partes, mas pelo movimento contínuo de pontos; as superfícies pelo movimento
de linhas; os sólidos pelo movimento de superfícies; os ângulos pela rotação de
lados; o tempo por um fluxo contínuo, e assim para as outras. Estas
gerações têm verdadeiramente lugar na natureza das coisas e revelam-se todos os
dias no movimento dos corpos." (1)
O entendimento das teorias formuladas por Einstein, para o
"tempo comprimido" quando se viaja em velocidade próxima a da luz,
passa pelo entendimento de que a realidade é tenuemente percebida por nossos
sentidos, principalmente pelo da visão. O tempo é "comprimido" nos sistemas com velocidade relativa próxima a da luz, porque o movimento é detectado
através da própria luz. (Um cego dirá que um avião a jato está mais atrás do
que realmente está, porque seu meio de percepção é o som!)
Vale notar que
percebemos o invisível com os demais sentidos! Importante também é o sentido da
pré-visão, intuição, raciocínio, lógica, chamado às vezes de sexto-sentido,
pelo qual conseguimos prever ou calcular o que ainda não é realidade no
momento.
Do livro "A evolução da Física"(2), transcrevemos:
"A sensação psicológica subjetiva de tempo nos permite ordenar as nossas
impressões, declarar que um acontecimento precede outro. Mas ligar todo
instante de tempo a um número, pelo uso de um relógio, considerar o tempo um
contínuo unidimensional, já é uma invenção. Assim também são os conceitos da
Geometria euclidiana e não-euclidiana e o nosso espaço compreendido como um
contínuo tridimensional. A Física realmente começou com a invenção de massa,
força e sistema inercial. Esses conceitos são, todos, invenções livres."
A memória permite a recuperação das sensações, sua ordenação
e recomposição - é o tempo psicológico, só existente na mente de cada pessoa,
que dá a sensação de que às vezes o tempo passa mais rápido ou mais lento! O
tempo cronométrico só "existe", isto é, só pode ser medido, quando há movimento.
Importantes pensadores
discordaram disso.
O filósofo francês, ante-mecanicista, Bergson (1859-1941),
enfatiza a ideia de "duração", impulso criador - élan vital. Nobel de
Literatura em 1927, afirma que o tempo é o coração da existência e nosso erro é
nos concebermos primordialmente como seres espaciais e não temporais, como se
fôramos objetos inanimados.(3) (Parece ser mais uma confusão entre espaço, tempo e
movimento, confirmando a dificuldade de entender os diversos aspectos do que
chamamos de tempo.)
Heidegger (1889-1976) pensador existencialista alemão,
afirmava que a existência humana é um vir a ser (daisein), um estar no mundo. O
mundo não é somente um conjunto de realidades físicas, mas também a soma de
interesses e afetos que ligam e solicitam o homem. Existir é uma projeção, um
sair de si; "toda existência é essencialmente temporalidade, que gera
angústia. "O homem angustia-se ante o NADA, e nele descobre sua mais
profunda condição: a de ser para a MORTE."(3)
Ele desqualifica a dimensão
cronométrica do tempo dada por Aristóteles, por não ter importância no significado
afetivo dos acontecimentos, i.é., não podemos medir nem a natureza nem a
intensidade do amor por alguém pelo tempo de relação com a pessoa amada. Parece-nos claro que as relações, emoções e sentimentos não podem ser
"dimensionadas", muito menos pelo tempo. Seria como tentar medir a
capacidade de amar em metros cúbicos ou litros, a saudade por um ente distante
em quilômetros!
Acreditamos que o homem não é um ser apenas temporal ou apenas
espacial. É um ser dinâmico, em permanente transformação, emaranhado na
angustiante curiosidade pelo porvir e na pretensão de controlar o futuro e
eliminar os temores no presente.
Freud (1856-1939), considerou que os sintomas neuróticos tem
grande relação com o objetivo do consciente interromper as relações normais
entre o passado, presente e futuro do indivíduo, como autodefesa na necessidade
de manter uma imagem aceitável de si mesmo, renegando detalhes traumáticos de
experiências passadas. (3)
O tempo na prática
A
enorme e constante pressão atual, ampliada pelos sistemas de informatização, é
maior que a existente em épocas passadas. Porém a ansiedade pelo futuro já
mereceu uma das mais instigantes passagens dos Evangelhos, conhecida pela
frase: "Considerai como crescem os lírios do campo. E nem Salomão, em toda
sua glória, jamais se vestiu como um destes." Conclui que cada dia traz
suas próprias tribulações.
É
saudável considerar um novo período, um novo dia, um novo ano, século ou
milênio. Dá-nos alento acreditar que fatos ruins do período anterior não se repetirão
no novo tempo. Mas para que isso venha a acontecer são necessárias ações
realizando as intenções.
É importante desvincular o tempo de algo que nos oprime e
pensá-lo como movimentos feitos ou a fazer no espaço, de preferência em
harmonia com os nossos ciclos psico-biológicos. Assim, além de aprendermos a usar o tempo comum a todos,
poderemos aprender a "fazer" nosso próprio tempo: espaço-movimento.
Acredito que esse
aprendizado seja só uma questão de tempo.
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Referências bibliográficas:
1. Conceitos fundamentais da Matemática - de Bento de Jesus
Caraça - Livraria Sá da Costa Editora - Lisboa
2. A evolução da Física - de Albert Einstein e Leopold
Infeld (1938) - 4a. Edição - 1980 - Zahar Editores - RJ
3. O coração da existência - artigo do psiquiatra,
psicanalista e professor da Faculdade de Medicina da UFBA, Dr. Luiz Fernando
Pinto, editado no Caderno Cultural de A TARDE, em 13.02.93.
4. Pensando a Física - de Mário Schenberg – Editora
Brasiliense - SP
5. O tao da Física - de Fritjof Capra - Cultrix – S. Paulo –
1990
6. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres - de Diôgenes
Laêrtios (séc.III d.C.) – Editora Univ. Brasília – DF, 1988. (Tradução do
grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury)
* Se você também é fascinado por Ciência sugiro o post No limiar da matéria aqui no blog no link < http://cidadanialerta.blogspot.com.br/2015/04/no-limiar-da-materia-detectado-o-ultimo.html >