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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A ponte


Em uma região longínqua, havia uma ponte ligando as duas margens de um rio. Com o passar dos anos, muitas pessoas que a utilizavam para conviver com os moradores das margens opostas começaram a percebê-la e, imediatamente, a questionar sobre ela. Inicialmente, essas questões vinham sob um sorriso compreensivo, tolerante ou uma boa risada de deboche.
- Ora – diziam os mais apressados – ela está aí porque está! Porque sempre esteve!

E o que antes nem era percebido passou a ser a curiosidade e o assunto de muitas conversas, lucubrações e motivo para contar muitos “causos”.


Quem construiu essa bela ponte? Como? Para quê? De que é feita? Por que construída há tanto tempo, se só agora há habitantes nas margens do rio? Por que aqui? Por que tem essa forma e é desse jeito?



Os mais antigos do lugar diziam que tinham ouvido seus avós contarem que, há muito tempo, chegou um exército numeroso de homens com cabeças resplandecentes, alguns empunhando espadas com o brilho do sol, escalando torres e escadas que alcançavam os céus. Foram eles que escavaram e cravaram grandes tubulões na terra. Durante dia e noite, construíram a ponte em meio a luzes, estranhos rugidos e estrondo de trovões. Outros diziam que ela fora trazida dos céus já pronta, e instalada ali mesmo por seres alados.



Eram várias as lendas, suposições e histórias para explicar seu aparecimento, sua construção e instalação: foram as intempéries climáticas agindo nas rochas, que haviam moldado a ponte naquele formato, por mero acaso; uma enorme besta de carga havia sacudido a cangalha do lombo, a qual, atirada longe, foi se fincar justamente daquele jeito por sobre o rio... E muitas outras explicações.

A Assembléia dos Pescadores a Molinete (APM), proclamava aos seus seguidores que a ponte havia sido construída por um antigo senhor, muito bondoso, para que eles pudessem pescar com todo o conforto de cima da ponte, desfrutando a brisa suave e o sol cálido. 

Já os da Congregação dos Pescadores de Tarrafa (CPT), afirmavam que fora construída para que pudessem pescar sob a ponte, na sombra junto a água fresca.

A muitos não interessava essas questões metafísicas ou utilitárias de menor relevância, mas logo arranjaram um jeito de cobrar pedágio, taxas e licenças daqueles que a atravessavam ou a utilizavam para pescar, apreciar... Todas essas controvérsias, porém, não bastavam aos mais curiosos.

Um grupo deles reuniu-se para procurar respostas às principais questões ainda pendentes. Depois de pesquisar externamente as superfícies e as formas da ponte, decidiram investigar sua estrutura interna. Houve receio e até protestos dos mais precavidos e tementes. Alguns acreditavam que, se a ponte fosse perscrutada, a fim de tirar amostras para análise dos materiais internos de que era constituída, ela poderia desabar, caso atingisse pontos críticos de sustentação. Convenhamos que isso seria uma grande catástrofe aos habitantes da região, acostumados a viver pra lá e pra cá. Mas eles não se intimidaram.

Após discussões conjuntas cada vez mais superficiais, os grupos passaram pesquisar em separado as estruturas mais profundas da ponte. Cada um com equipamentos próprios, especialmente projetados. Sabia-se que furtivamente retiravam amostras, faziam experimentos, propunham teorias que confirmavam com cálculos e testes... Quase todos tiveram sucesso nesse projeto, divulgando os resultados, com justa euforia, orgulho e um indisfarçável ingrediente de intimidação. Pareceu que todas as respostas haviam sido obtidas! Os componentes usados na edificação da ponte, aqueles que compunham sua estrutura, pareciam não reter mais qualquer mistério. Foi uma época de euforia, sucesso e vitória do conhecimento: para o bem e para o mal. 

Depois disso, fizeram inúmeros corpos-de-prova, na tentativa de obter compostos semelhantes que proporcionassem resultados práticos - em resistência, flexibilidade e harmonia de formas - aos pesquisadores e financiadores. Muitos fracassos foram ocultados e as experiências de sucesso passaram a ser registradas e negociadas, proporcionando grandes somas de dinheiro aos seus “descobridores”.

Mesmo assim, ainda havia pesquisadores insatisfeitos com todas aquelas maravilhosas descobertas. Esses, silenciosamente, passavam dias e dias pensando, refletindo e conjeturando, na tentativa de redesenhar o projeto original da ponte. Investiam em intensas pesquisas com ultra-som, raios-x, ressonância magnética, cálculos complicadíssimos e muita, muita imaginação e dinheiro, na busca do que seria O Projeto. Nenhum confessou que, de algum modo, buscava conhecer o projetista.

A grande maioria dos habitantes achava perda de tempo essas tentativas de resgatar o projeto original ou, pelo menos, de tentar elaborar um esboço dele. Afinal, a ponte já estava ali, totalmente pronta e utilizável. Para que então se preocupar com isso?

- Esses malucos! Será que não têm o que fazer de mais útil?

O que de fato preocupa a nós outros, é que poucos estão empenhados em preservá-la. Muitos não se dão conta da sua importância para a própria vida e à vida dos demais habitantes. Acreditamos que, se nada de concreto for pensado, acordado, e algo de efetivo realizado, breve a ponte estará imunda, contaminada, deteriorada, intransitável, destruída.

A hora de agir já tarda.

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Notas:


1. Esse artigo foi inspirado nas idéias do filósofo Baruch Spinoza (1569-1630) de que Deus é igual a natureza – Deus sive natura. Afirma, também, que a felicidade máxima do homem é o conhecimento de Deus e este é precisamente o fim ao qual a filosofia se propõe. Considera que Deus é a única substância existente. Com substância, Deus é a cadeia ou processo causal, a subjacente condição de todas as coisas, a lei e a estrutura do mundo. Esse concreto universo de modos e coisas está para Deus assim como uma ponte está para o seu projeto, sua estrutura, e as leis da matemática e da mecânica segundo as quais ela é construída; são estas as bases de sustentação, a condição subjacente, a substância da ponte; sem elas, ela cairia. (Tratado político-teológico)

2. A elevada emissão de gases como gás carbônico, metano e óxido nitroso para a atmosfera, são devido principalmente a queima de combustíveis fósseis, tais como, carvão mineral, xisto, petróleo e seus derivados (óleo combustível, gasolina, diesel, querosene), as queima das florestas e suas consequentes extinções.
Nos últimos 140 anos, isso causou um aumento de temperatura no planeta em cerca de 0,76ºC. Já o nível do mar subiu em média 17 cm, só durante o século XX. Parecem tão pouco, mas já foi o suficiente para abalar a vida e o clima do planeta.
Projeções apontam que, se mantido o ritmo atual de queima, no final do séc. XXI alcançaríamos aumento médio de 1,8ºC (na melhor das hipóteses) a 4,0ºC (no pior cenário). Com isso o nível do mar subiria de 18 a 59 cm.

3. Em fevereiro de 2005, entrou em vigor o acordo internacional conhecido como Protocolo de Kyoto, assinado por 141 países, que visa diminuir a emissão de gás carbônico para a atmosfera. Ele firmava o compromisso de reduzir até 2012 a emissão de gases de efeito estufa em pelo menos 5%, em relação aos níveis de 1990. Em outras palavras, cada país avalia o quanto emitia de gases estufas no ano de 1990 e deve passar a emitir 5% menos, dentro do prazo estipulado. Não foi suficiente! Os Estados Unidos, que respondem por 36% do total mundial de emissão de CO2, não ratificaram o acordo, isto é: não o tornaram lei no país. Juntos, EUA, Rússia, Alemanha, Grã Bretanha e Japão respondem por 70% das emissões acumuladas de gases de efeito estufa.

4. De 3 a 9 de novembro de 2014, representantes dos principais governos no mundo se reuniram na cidade de Quito, no Equador, na Conference of the Parties (COP 11) da Convention on the Conservation of Migratory Species of Wild Animals (CMS), para definir políticas de biodiversidade e práticas que reduzam a atual degradação do planeta Terra. Com muita dificuldade foi emitido documento com a pauta de reunião a ser realizada em 2015, que terá como foco principal, definir medidas efetivas para evitar o aumento previsto de temperatura do meio ambiente em 1ºC até o ano 2050.
Em paralelo, os governos da China e dos Estados Unidos - os dois maiores poluidores do planeta - firmaram protocolo de compromisso para a redução da poluição do ar e da água, redução do monóxido de carbono na atmosfera, no uso de termoelétricas a carvão e de chuvas ácidas, a partir de seus territórios.

5. Com o uso total das termelétricas no Brasil, devido ao longo período de estiagem e seca nas regiões das principais bacias fluviais, a Petrobras foi incluída na listagem das 20 maiores empresas petrolíferas mais poluidoras do mundo.  Mesmo assim, ficou em melhor posição do que países menores, que não possuem potencial hidrelétrico, solar e eólico, como: Holanda, Suíça, Japão, Luxemburgo, Coréia do Sul, Alemanha, Itália e França.



Infográfico empresas poluidoras (Foto: G1)





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