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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Transitado em julgado

A linguagem tanto é utilizada para firmar como para confundir e enganar. O artigo 5°, LVII da Constituição firma a presunção de inocência quando registra que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. 


O simples mortal entende que está dito: só poderá ser preso aquele que já tiver sido julgado, e temporária ou preventivamente os investigados ou os processados. 
Aos intere$$ado$ de antanhos era conveniente interpretar que "transitado em julgado" quer dizer: "só poderá ser preso após realizados julgamentos em todas as instâncias e julgados todos os recursos legais permitidos". Incluindo o recurso de embargos infringentes descobertos e muito utilizados pelos advogados de defesa nos julgamentos do Mensalão. E acrescentaria, com algum receio, até mesmo os não permitidos mas que são considerados, por benevolência do magistrado. 


Se fosse intenção do legislador determinar o que até 5/10/16 era considerada a interpretação "correta", redigiria o texto com muito mais clareza, de modo a não deixar dúvidas, tipo assim: "o réu condenado só poderá ser preso após todos os recursos legais terem transitado em julgado, em todas as instâncias".

Se o legislador não o fez dessa forma, a expressão "após transitado em julgado" pode ser interpretada como: 

1. poderá ser preso após condenação no primeiro julgamento,

2. idem, idem, no segundo julgamento, ou 

3. enfim, após condenação em determinado número de julgamentos

Desse modo, o que está escrito no artigo 5°, LVII, tem o entendimento de que, qualquer que seja o número de julgamento realizado, o condenado pode ser preso, de acordo com o que for decidido pela Suprema Corte.¹ 


No Brasil, assim como em outros regimes políticos, dominados por cidadãos que se consideram acima de qualquer suspeita, optou-se interpretar que "transitado em julgado" só ocorre após a conclusão de todos os julgamentos e recursos possíveis. Muito conveniente aos endinheirados que podem sustentar recursos durante décadas.


A maldição da comunicação entre nós humanos surge quando a malícia se sobrepõe aos verdadeiros interesses comuns. A pior Babel, a mais terrível e perigosa, é a que ocorre dentro de uma mesma língua ou idioma. As palavras são iguais, mas têm entendimentos diferentes quando os poderosos assim desejarem.


No livro As Viagens de Gulliver, do escritor Jonatham Swiff, aprendi a importância de se expressar com clareza. 

Em guerra há anos, os liliputianos não lembravam mais o motivo de lutarem entre si. 

Um velho ermitão conseguiu lembrar do grave incidente que os fez declararem a guerra. 


Os habitantes de várias ilhas tinham o costume de quebrar os ovos quentes pela parte mais fina, diferentemente dos moradores de outras ilhas que comiam os ovos quentes quebrando a ponta rombuda. Gulliver - nós também - fica estarrecido com a informação e pergunta porque não foi feito um plebiscito para definir um padrão aceito pela maioria, democraticamente. O diminuto velhinho disse: "Fizemos a consulta e o resultado foi promulgado como Lei." 


Mais curioso do que espantado, Gulliver pediu para ver a lei... Constatou que tudo já havia sido acertado. Estava lá, escrito com letras de fina caligrafia, seguinte: 
Ficam cientes todos os habitantes das ilhas do poderoso reino de Liliput de que, - independentemente de cor, raça, credo, cargo, tamanho, manias e posses materiais - os ovos quentes devem começar a ser quebrados pelo lado certo."

  

Nota:

1. O princípio da "presunção de inocência" visa impedir que os cidadãos sejam presos indefinidamente sem que já tenham sido julgados dentro das normas legais. Pretende evitar o que ocorreu, e ainda ocorre, com prisioneiros na base militar dos Estados Unidos, em Guantánamo: prisioneiros acusados de terrorismo permanecem presos sem qualquer julgamento por anos a fio... 
Mais uma barbárie no cenário de barbáries perpetradas por governos e instituições que se autodenominam defensores da democracia e da liberdade!

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