É uso corrente dizer que o brasileiro é criativo. Esta parece ser apenas mais uma forma de iludir e consolar desatentos conterrâneos. A criatividade só se realiza quando, além da inspiração (insight), vem sustentada por conhecimento, experiência e muito trabalho.
O caso recente das cápsulas de fosfoetanolamina sintética para tratamento de câncer, comprova a tenaz cultura anti-criativa enraizada no Brasil nas mais diversas formas.
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Pesquisador Gilberto Chierice |
Por mais de 20 anos, o professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Orivaldo Chierice tentou obter liberação da substância para tratamento do câncer. Durante todo esse tempo o Instituto de Química de São Carlos (IQSC) fabricou e distribuiu a substância!
Pacientes que a usaram declaram em vídeos ter melhorado de forma surpreendente dos sintomas da doença, sem sofrer os efeitos desagradáveis que a quimioterapia costuma causar. A procura foi tanta que a produção de 50 mil cápsulas/dia não estava mais conseguindo atender os interessados. E a Justiça foi acionada.
Apesar de tudo isso estar ocorrendo dentro de um órgão oficial de estudo e pesquisa, foi só a partir de uma divulgação maciça nas redes sociais, Internet e TV que a questão tornou-se do conhecimento das autoridades competentes.
Em sessão na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado (29.10.2015) o Dr. Durvanei Augusto Maria¹ detalha os estudos, experiências, publicações, testes e forma de atuação da fosfoetanolamina sintética no combate ao câncer. O composto, que existe normalmente no corpo humano, identifica e mata as células tumorais por apoptose², sem causar danos às células normais. Fantástica!
Quando a ampla divulgação da substância não deixou mais margem à omissão dos órgãos competentes, a primeira providência tomada foi impedir a distribuição, por não ter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
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Dr. Drauzio Varella |
Enquanto isso, o Dr. Drauzio Varella apresenta longo depoimento no Fantástico, batendo contra o uso das pílulas não aprovadas e desqualifica o trabalho de pesquisa do professor Gilberto Chierice e do Dr. Durvanei ao tergiversar que não há remédio único que cure todos os tipos de câncer. Qual o interesse do Dr. Drauzio em apenas lançar suspeitas na eficácia da substância?
A partir daí, uma paciente foi impedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de receber as pílulas. Recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e obteve do ministro Edson Fachin decisão favorável. Então, o presidente do TJSP, desembargador José Renato Nalini, estendeu o acesso a todos os pacientes. Ufa, quanta dificuldade!
Uma investigação pode desvendar a origem dos entraves que impediram que a substância fosse testada tecnicamente, como será feito agora. Mas quem terá interesse de fazer isso?
Uma das possibilidades sempre presente é a interferência e até sabotagem por parte dos laboratórios multinacionais que dominam a indústria hospitalar-farmacêutica, também chamada da indústria dos tratamentos paliativos. Neles são fabricados e comercializados fármacos que não curam, mas mantém os pacientes cativo$ sustentando os laboratórios.
Outro indicativo do emperramento da criatividade no Brasil é o baixo número de patentes obtidas por brasileiros no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e em instituições semelhantes no mundo inteiro.
É sintomática a dificuldade burocrática existente para se obter uma patente no INPI que alonga o prazo de tal forma que é preferível - e bem mais rápido - requerer e obter patentes nos EUA, por exemplo!
O mais provável que nos acostumamos chamar de criativas às ações tomadas para superar situações causadas por falta de estudos prévios, avaliações e planejamento!
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Matemático Artur Avila |
A criatividade se consolida em empresas limpas, prêmios e benefícios reais.
É revelador que o Brasil não tenha recebido um Prêmio Nobel.
Só recentemente, em agosto de 2014, o matemático Artur Avila, de 35 anos, tornou-se o primeiro brasileiro premiado com a Medalha Fields, que tem prestígio internacional equivalente ao Prêmio Nobel de Matemática.
Como se pode ver nas fotos, ele não se enquadra na figura do nerd, cientista louco ou professor Pardal que imaginamos ter uma pessoa estudiosa, com características de gênio.
As Olimpíadas de Matemática e de Ciências, realizadas anualmente pelos estudantes do primeiro e segundo grau de ensino público e privado, têm demonstrado que os brasileiros também têm capacidade de aprender e desenvolver ideias com criatividade, quando se disponibiliza condições e ambiente para que isso aconteça.
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Artur Avila, gênio matemático |
Seria Eduardo Cunha criativo por seus negócios ou por sua defesa digamos, metafísica, de não ter conta no exterior? Será que podemos considerar criativos os criminosos envolvidos nos esquemas de corrupção, sonegação e lavagem de dinheiro descobertos nas investigações da Operação Lava Jato, "legalizando" as propinas?
Parece-me que muitos estrangeiros utilizam esse vocábulo, em irônico elogio aos que improvisam armengues. E isso nem sempre é percebido por nós.
Seria muito grosseiro verbalizar o que se passa na cabeça de alguém advindo de uma cultura que valorize respeito e ética, ante desorganizações acochambradas por jeitinhos.
Creio que seremos de fato lúcidos e criativos quando deixarmos de confundir improvisações e espertezas danosas, com o que seja de fato criatividade.
Improvisação e esperteza passam, criatividade permanece.
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Notas:
1. Durvanei Augusto Maria possui Mestrado em Imunologia pela Universidade de São Paulo (1998), Doutorado em Imunologia pela Universidade de São Paulo (2002) e Doutorado / Doutorado-Sanduích pela Universidade de Paris VII Denis Diderot (2002). Atualmente é Pesquisador Científico VI do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantan. Tem experiência na área de Imunologia, Biologia Celular e Farmacologia, com ênfase em Imunologia de Tumores, atuando principalmente nos seguintes temas: carcinogênese química, marcadores tumorais,alterações celulares e ultraestruturais,resposta inflamatória, toxinas animais e metalo proteases, inibidores de crescimento e metastatização de tumores animais e humanos, melanoma, marcadores tumorais, cultura celular, célula tronco mesenquimais indiferenciadas, triagem de fármacos oncológicos e farmacologia experimental. (Texto informado pelo autor)
Veja o vídeo em < https://www.youtube.com/watch?v=NL6-eFypluI >
2. Apoptose é a morte celular geneticamente programada, não seguida de autólise (destruição das células pelas enzimas do próprio indivíduo). A apoptose é um tipo de autodestruição celular ordenada com uma finalidade biológica definida, diferente da necrose, que é uma simples degeneração.