Pesquisar este blog

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A ciência da felicidade

Existirá um conhecimento específico para ser feliz? Como obter e desfrutar da felicidade? De algum modo, essa proposta de um amigo no grupo Acrópoles nos fez calar e, o melhor, nos fez pensar. Viveremos o dia em que será incluída no currículo educacional básico a disciplina: noções de felicidade
Lembro então o diálogo entreouvido por Nietzsche: “Seria loucura, talvez, pretender algo assim. Mas tudo que é grande talvez tenha sido loucura no início!”.
_____________________________________

Sem qualquer dúvida, a humanidade nunca esteve tão bem estruturada em tecnologia, poder e ciência. Desde cedo aprendemos a ler, escrever, contar e um mundo de outras coisas que os atuais meios de comunicação instantânea permitem. O volume de conhecimento, de tão vasto, impõe especializações no ensino dos artífices e profissionais. O conhecimento geral de Linguagem, Gramática, Aritmética, Matemática, Física, Química, Biologia, História e Geografia, já não é suficiente para tornar uma pessoa apta a desenvolver uma atividade. As disciplinas para o aprendizado fundamental do discípulo-cidadão na Grécia Antiga – Linguagens (prosa, oratória, dialética, poesia, teatro...), Matemática, Ginástica, Jogos, Música e Ciências Naturais - se expandiu e muitas outras matérias ainda são incluídas, até nos dias de hoje, no currículo das escolas, colégios e faculdades. Surge então, de repente, a pergunta quase esquecida: Para que servem as ciências?
"Ora!" - dirá o poeta distraído a contar estrelas - "Elas servem para o ser humano construir sua felicidade!"

Pelo visto, pode-se concluir que ser feliz é apenas um detalhe, sem aparentemente muita importância. A ênfase educacional é dada às disciplinas e às ciências que ensinam nossos filhos a ser um elemento produtivo, um agente da produção, enlevado pela promessa de tornar-se uma pessoa de sucesso... Em resumo: rico.
No fim do ano de 2002, foi aprovada pela Comissão de Educação do Senado a inclusão da disciplina noções de cidadania no currículo escolar (1). No início deste ano, foi tornado obrigatório o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares. (2) 
Um amigo, afeito a questões que passam despercebidas ou preferimos esquecer, acredita que ainda está faltando uma importante matéria no ensino fundamental, e propôs que seja incluída no currículo educacional uma disciplina que ensine às nossas crianças e jovens a ciência da felicidade.

Existirá um conhecimento específico para ser feliz? Como obter e manter a felicidade? De algum modo, a proposta dele nos fez calar e, o melhor, nos fez pensar. Viveremos o dia em que será incluída no currículo educacional básico a disciplina: noções de felicidade? Ruborizamos ao parecer ridículos. Lembro aqui o diálogo entreouvido por Nietzsche: “Seria loucura talvez, pretender algo assim? Mas tudo que é grande talvez tenha sido loucura no início!”(3)

Creio que a Ciência da Felicidade vem sendo pesquisada e desenvolvida há muito tempo, mas, como requer um mínimo de visão, sabedoria e lucidez, continuamos como os nossos ‘primos’ macacos a tentar obtê-la sem abrir a mão. E, assim, ficamos prisioneiros com a mão enfiada na cumbuca da existência, de onde tentamos tirar a própria felicidade... A qualquer custo.
O desafio de definir conhecimentos e regras para viver feliz lembra, de certo modo, o enigma da Esfinge: decifra-me ou permanecerás infeliz. Será que poderíamos todos ser instruídos na sabedoria edipiana rumo às Tebas modernas?  Diversas filosofias, códigos e religiões continuam tentando implantar costumes numa comunidade onde todos vivam a arte de ser feliz. Geralmente falham, quando seus seguidores percebem, que as regras básicas ditadas não são seguidas nem por seus próprios arautos.

Talvez a forma de alcançar a felicidade seja o maior obstáculo, visto ser ela "perseguida" pelos viventes. Qualquer um ao ser perseguido sente-se acuado e foge. Geralmente, queremos retê-la para sempre em nós, em vez de simplesmente desfrutá-la. É como tentar pegar no ar bolhas coloridas de sabão ou aprisionar o canto dos pássaros em gaiolas. A felicidade, nesses casos, não se realiza. Ficamos frustrados sem saber por quê.
Outros valores são importantes nessa busca e requerem preparação. Eles são estruturados no seio da família, onde a criança obtém suas primeiras referências. É o principal fundamento. O resto é, em grande parte, conseqüência desse primeiro aprendizado. Em pesquisa da Unicef, em 2002, os jovens elegeram a família o ponto de apoio fundamental na educação e na formação dos seus valores pessoais e sociais. Isso me parece significativo, pois há em contrapartida, uma enxurrada difícil de ser contida, por parte das mídias, onde a felicidade é oferecida ao jovem consumidor sob vários e sedutores artifícios, antes mesmo dele aprender a falar e desenvolver um melhor entendimento.
Felicidade é o orgasmo transmitido sob gemidos e mãos crispadas nos lençóis na telinha do faz-de-conta... É sair do shopping carregando sacolas de grifes famosas. Não é só usar uma roupa bonita e elegante em que me sinto confortável! Ela se realiza no ato de comprar, mostrar aos outros o meu poder de compra e não no usufruto do bem adquirido. Felicidade é tirar vantagem em tudo, certo? É procurar parecer que é, em vez de ser... Parece-me que a felicidade, hoje, é aquela que os marqueteiros dizem ser, durante as 25 horas do dia.

Na prática, observo nas pessoas que parecem viver a felicidade, uma agradável mistura de paz, confiança, tranqüilidade, disposição, integridade, percepção e atenção à realidade... E, curiosamente, todas elas parecem dispor de todo o tempo do mundo! O que será que elas fazem para alcançar aquilo que imagino que só bastante dinheiro pode me dar? 
As crianças - quando se sentem em ambiente seguro - transmitem essas "qualidades" ao serem simplesmente felizes. Suas preocupação e realizações são imediatas, logo desfrutadas. Um pouco diferente da elaborada felicidade, programada por nós, hoje, menos crianças. Serei feliz quando: colar grau, me empregar, comprar um apartamento, um carro, ter aumento de salário, casar, separar, ter um filho, os filhos crescerem, tornarem-se independentes, me aposentar, ganhar a megassena acumulada (sozinho, claro) e outras pendências, que me imponho a cada época da vida.
    
Seria importante, inicialmente, definir quando estamos felizes, ou melhor, quando nos percebemos e nos consideramos felizes. E, finalmente, tentar definir essa tal felicidade, geralmente só percebida depois que não a temos mais, resumida na frase: "éramos felizes e não sabíamos". 
Cada um apresentará sinais e valores próprios de um estado de felicidade. Muitas coincidências ocorrerão. Uma, que certamente estará em todas elas, já foi dita por Tom Jobim em Wave, de forma tão banal que às vezes é confundida com filosofia barata: "é impossível ser feliz sozinho". No verso anterior Tom considera que "fundamental é mesmo o amor"... E o que é o amor?

É... Precisamos aprender também sobre essas coisas atualmente esquecidas por algum motivo que talvez Freud explique às mulheres, pois deixou sem resposta a questão: “O que querem as mulheres?”.
A inclusão nos currículos educacionais, de matérias que ensinem a ciência da felicidade, não terá maiores resultados em nossa formação. Quem sabe na dos nossos filhos, na dos filhos dos nossos filhos...

.................................................................................................

Notas:

  1. A TARDE de 03.12.2002, sob o título: Mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação-LDB.
  2. Lei n° 10.639, sancionada pelo presidente da República no dia 09.01.2003, altera a Lei n°. 9.394, de 20.12.1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, que passa a vigorar acrescida dos artigos n°s. 26-A e 79-B.
  3. Nietzsche, Friedrich - Além do Bem e do Mal – Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, capítulo oitavo: Povos e Pátrias, n° 241 pág.149 – Cia. das Letras.


Autor: José Renato M. de Almeida, pesquisador da evolução dos conhecimentos sócio-culturais versus tecnológicos na história da humanidade. Salvador – Bahia  E-mail: < jrmalmeid@gmail.com.br >

Veiculado no grupo de discussão Acrópolis:
http://br.groups.yahoo.com/group/acropolis/files/Membros/ >

* As idéias não têm dono... Mas têm autoria.



Nenhum comentário:

Postar um comentário