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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Teologia é ciência?

José Renato M. de Almeida

O ser vivo em geral - e o ser humano em particular - tem uma curiosidade inata infinita e sempre buscará respostas além do já conhecido.

Volta e meia uma nova geração de pensadores faz esse questionamento: teologia é conhecimento, é ciência? Conhecimento é o que já se sabe ou, pelo menos, acredita-se que sabe o suficiente. Intuímos que ainda sabemos pouco, porém, o que conhecemos tem tratamentos diversos, de acordo com o enfoque e o método.

Os povos têm experiências que se incorporam às culturas sem serem 'acreditadas' pela comunidade científica. Há, entretanto, alguns conceitos e proposições, sem provas ou demonstrações, chamados axiomas (como acontece na geometria euclidiana), que são pacificamente aceitos como verdadeiros por todos! Desse modo, reconhecemos ou desconfiamos que o pajé ameríndio retém conhecimentos práticos para o tratamento de alguns males. É um conhecimento, mas não é considerado ciência. Os laboratórios mais ricos, espertamente, pesquisam as terapias indígenas e já utilizam diversas substâncias fitoterápicas traduzidas em linguagem e lucros científicos.




A Ciência, a Filosofia e a Teologia, cada uma a seu modo, buscam o conhecimento pleno. Elas foram geradas durante a busca de entendimento do Ser, do Todo, do Divino. Esse, digamos, Desconhecido, já era percebido há milênios por sábios de praticamente todas as raças e culturas, que O registraram em livros ditos sagrados. Os mais difundidos no ocidente são: o Gêneses, para o caso do macro e, para o micro, o atomismo de Demócrito (460 a.C.). A teoria do Universo em expansão - apelidada de big-bang - foi apresentada por um estudioso de Teologia, o abade-astrônomo Georges Lamâitre (1894) e está bem de acordo com o milenar 'Faça-se a luz!', da época em que a Ciência, com 'C' maiúsculo era, fundamentalmente, a busca do Ser. A tese do big-bang foi retomada, dentro dos padrões científicos modernos, por George Gamow, em 1948.


Via Lactea - Galáxia que habitamos, todas as estrelas  que
vemos à noite, estão nesse pequeno círculo amarelo.
Apesar de hoje reconhecermos os imensos avanços tecnológicos, é cedo para afirmar que dominamos o conhecimento. E aí entra a importância da intuição, do insight, do sonho, da inspiração, da fé - que é acreditar naquilo que ainda não é totalmente conhecido e comprovado cientificamente.
Esse conhecimento inconsciente é relegado aos poetas que, como diz a cantiga, 'é quem sonha o que vai ser real'. Esquecemos, entretanto, que: a Tabela Periódica dos Elementos Químicos, incluindo alguns ainda desconhecidos na época; a previsão de as grandes massas alterarem a trajetória da luz; e a intenção científica de decifrar a estrutura básica do Universo através do Modelo-Padrão ou da Teoria das Cordas, também fazem parte desse tipo de crença.

O ser humano para superar seus medos quer conhecer todos os mistérios. Torna-se, desse modo, empreendedor e místico. Essa última palavra, porém, já está contaminada com outros significados. Quando Einstein (1879-1955) rebate o Princípio da Incerteza, de Heisenberg (1901-19760), na mecânica quântica, e profere a conhecida frase 'Deus não joga dados', revela sua religiosidade, está sendo místico. Isso não o impediu de estruturar as Teorias da Relatividade e, com todas a suas dúvidas e erros, tornar-se um dos mais conhecidos gênios do séc. XX. Ele comenta a religiosidade do homem sábio no livro Como vejo o mundo - Alberto Einstein p.23, Nova Fronteira: "O espírito científico, fortemente armado com seu método, não existe sem a religiosidade cósmica. [...] Indubitavelmente, este sentimento se compara àquele que animou os espíritos criadores religiosos em todos os tempos."
Mas, até à comprovação, o crente é rotulado de tolo. Mais tolo será aquele que, ante o que não conhece ainda, mantém atitudes de soberba e ironia, em vez de respeitosa atenção. Seja ele um religioso, em relação à Ciência, e/ou um cientista, em relação à Teologia.

Os filósofos denominados de pré-socráticos, como Parmênides e Heráclito, dissiparam as divindades gregas e introduziram o monoteísmo intelectual do Ser - o physis, o fundamento, aquilo que é - deixando os deuses tradicionais aos populares. Vários séculos depois, de modo semelhante, Nietzsche proclama que o Ser, de tanto manipulado pelos poderosos, transformou-se em um deus de mentirinha, usado para amedrontar e manter sob jugo os povos... Esse deus, morreu! Agora, o homem precisa aspirar e conhecer suas próprias dimensões, superar seus medos e fraquezas, exercitar a emoção, inteligência e decisão; transformar-se em um homem liberto, plenamente humano, e assim, conhecer a Verdade, o Ser, o Tudo, o verdadeiro Deus já esquecido. Esse novo homem sonhado pelo filósofo, e denominado por ele de além-homem e traduzido por muitos como super-homem, teria, creio eu, características mais próximas do aparentemente frágil Gandhi, do que as do repórter do Planeta Diário dos gibis que, para exercer seus poderes inatos, veste uma sunga sobre a malha de balé!

Gandhi tinha o poder imaterial do homem sábio e verdadeiro, com ele uniu os povos da Índia e derrotou o poderoso império britânico. Combater o bom combate requer especial lucidez. Creio que, se Nietzsche o conhecesse poderia considerá-lo como o seu esperado além-homem... Ou talvez, o segundo cristão. 

O ser vivo, em geral - e o ser humano em particular - tem uma curiosidade inata infinita, e sempre buscará respostas além do já conhecido. E quando se imaginava que tudo era sabido no século XIX, vem a Teoria da Relatividade, a Física Quântica, a fissão do átomo, as bombas atômicas, de hidrogênio, de neutrons, a Teoria das Cordas, os buracos negros, a energia escura, o DNA... E, finalmente, alcançamos o séc. XX com mais dúvidas que certezas, trazendo ao ser humano desafios muito maiores.


* Artigo veiculado no site do Jornal da Ciência on-line de 01.09.2002  http://200.177.98.79/jcemail/Detalhe.jsp?id=4526&JCemail=2111&JCdata=2002-09-03

** As idéias não têm dono, mas têm autoria!

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