Nada como dispor de um pouco de tempo para colocar as coisas em ordem. Nesse fim de ano, ao tentar me organizar, senti-me envergonhado. Caramba, como foi que consegui me encher com tantas tralhas! Armários, baús, gavetas, estantes, caixas, pastas... Tudo cheio. Se mais lugar tivesse, certamente, estaria entulhado de coisas que "um dia vou precisar".
O que constatei com esse fato não chega a ser uma conclusão, apenas uma reflexão.
Homo-collector e família - Em volta do fogo |
Homo-collector na terra dos Faraós - Egito Antigo |
Hoje, temos geladeiras e freezers, supermercados a cada esquina, alimentos disponíveis a qualquer hora, mas ainda ajo como meus antepassados ou como animais coletores, tipo os esquilos (mas eles precisam para enfrentar o inverno), cães e lobos (enterrando ossos). Ou até pior, como as gralhas, acumulando bugigangas brilhantes e coloridas, sem qualquer utilidade para elas... Nem para mim, a não ser a controversa satisfação de possuir. Comemos demais tudo o que aparece, feito os ursos, que precisam acumular gordura para hibernar.
Será devido a esse instinto coletor, que meus armários estão entulhados de bagulhos que não uso, nem necessito? O guarda-roupa cheio com peças que nunca usei; a estante cheia de livros que ainda não consegui ler? Até meu HD está cheio de arquivos que estão disponíveis na Internet. João Paulo II considera o desperdício um pecado, um erro. Nos momentos de alguma lucidez acho o desperdício uma estupidez, uma burrice. E quando o desperdício está de mãos dadas com o egoísmo, é arranjo dos infernos! O que está sobrando aqui está fazendo falta em algum lugar. Qual a saída?
Creio que a solução apoia-se na confiança. Hoje, há uma grande economia nos custos de estocagem, devido à redescoberta da credibilidade, da confiança. Empresas de produção não mantêm mais estoques de matéria-prima e peças. Utilizam sistema informatizado - de entrega na medida em que o material é necessário - conhecido como just-in-time. Essa sabedoria precisa ser utilizada em todas as áreas de convivência e cooperação humana. Entretanto, o desenvolvimento da confiança no outro só poderá ser feito através de uma formação educacional focada nesse objetivo.
Já é um bom começo, reconhecer os malefícios da soberba, da competição, da autoestima exacerbada e outras carências afetivas, existentes no íntimo genético.
É o aprendizado da sabedoria que me permitirá desfrutar a felicidade de viver sem depender dos ícones de consumo, que a propaganda planta em minha mente. A lavagem cerebral nos acompanha por toda a vida, de tal maneira, que a liberdade só é possível sobre uma reluzente motocicleta, a paz, só em um apartamento de luxo e a admiração só é obtida com roupas de grife... Com as etiquetas à mostra!
Antes mesmo da bola-de-gude e da bicicleta, já elegia meus objetos de desejo. Mais adiante vieram: a garota, o carro, o diploma, o emprego, etc. Em cada um deles, depositei meu futuro, acreditando que "Agora sim, serei feliz!". E a cada conquista, nova decepção e a constatação de que falta algo mais a conquistar, possuir... Usufruir.
O risível - se não fosse uma tragédia para muitos - é que o desejado, perseguido e conquistado, não pode ser desfrutado, pois não nos "sobra tempo". Por isso, não posso nem desfrutar a cascata cristalina, fria ou quente, que disponho no banheiro, e muitas outras maravilhas que nem percebo ter. O que não esqueci ainda é que antes, para me banhar, puxava água no poço, enchia o latão - preparado após esvaziar o querosene na geladeira Electrolux – carregava-o até o banheiro, enchia o tanque e tomava banho de cuia. Conclusão: às vezes saía do banho mais suado do que antes.
A felicidade está na sabedoria de eu perceber que essas conquistas de nada servirão se eu não tiver paz e tempo para desfrutá-las. Perceber o quanto já disponho. Vida, razão, sentimento, alimento, ar, água, sol, terra, mar e todo o tempo do mundo: vinte e quatro horas por dia. Isso não é o que a propaganda - a inveja provocada - me diz que preciso. Vejo que ainda está muito latente em mim a memória instintiva do homo collector. Sabendo disso, exercito definir o que eu realmente preciso fazer para enfrentar, sem estresse, o impulso que me torna um coletor compulsivo. Tudo o mais pretendo deixar bem guardado nas lojas, feiras, supermercados, internet, natureza... E na lembrança.
Autor: José Renato M. de Almeida, pesquisador do conhecimento humano-social comparado ao conhecimento técnico-científico na história da humanidade.
* Leia uma crônica divertida sobre o homo colletor no link:
< http://primeirafonte.blogspot.com.br/2012/02/homo-collector-catando-frutinhos-dia.html >
As ideias não têm dono... Mas têm autoria.
Creio que a solução apoia-se na confiança. Hoje, há uma grande economia nos custos de estocagem, devido à redescoberta da credibilidade, da confiança. Empresas de produção não mantêm mais estoques de matéria-prima e peças. Utilizam sistema informatizado - de entrega na medida em que o material é necessário - conhecido como just-in-time. Essa sabedoria precisa ser utilizada em todas as áreas de convivência e cooperação humana. Entretanto, o desenvolvimento da confiança no outro só poderá ser feito através de uma formação educacional focada nesse objetivo.
Já é um bom começo, reconhecer os malefícios da soberba, da competição, da autoestima exacerbada e outras carências afetivas, existentes no íntimo genético.
Homo-collector - Esquecendo o essencial |
Antes mesmo da bola-de-gude e da bicicleta, já elegia meus objetos de desejo. Mais adiante vieram: a garota, o carro, o diploma, o emprego, etc. Em cada um deles, depositei meu futuro, acreditando que "Agora sim, serei feliz!". E a cada conquista, nova decepção e a constatação de que falta algo mais a conquistar, possuir... Usufruir.
O risível - se não fosse uma tragédia para muitos - é que o desejado, perseguido e conquistado, não pode ser desfrutado, pois não nos "sobra tempo". Por isso, não posso nem desfrutar a cascata cristalina, fria ou quente, que disponho no banheiro, e muitas outras maravilhas que nem percebo ter. O que não esqueci ainda é que antes, para me banhar, puxava água no poço, enchia o latão - preparado após esvaziar o querosene na geladeira Electrolux – carregava-o até o banheiro, enchia o tanque e tomava banho de cuia. Conclusão: às vezes saía do banho mais suado do que antes.
A felicidade está na sabedoria de eu perceber que essas conquistas de nada servirão se eu não tiver paz e tempo para desfrutá-las. Perceber o quanto já disponho. Vida, razão, sentimento, alimento, ar, água, sol, terra, mar e todo o tempo do mundo: vinte e quatro horas por dia. Isso não é o que a propaganda - a inveja provocada - me diz que preciso. Vejo que ainda está muito latente em mim a memória instintiva do homo collector. Sabendo disso, exercito definir o que eu realmente preciso fazer para enfrentar, sem estresse, o impulso que me torna um coletor compulsivo. Tudo o mais pretendo deixar bem guardado nas lojas, feiras, supermercados, internet, natureza... E na lembrança.
Autor: José Renato M. de Almeida, pesquisador do conhecimento humano-social comparado ao conhecimento técnico-científico na história da humanidade.
* Leia uma crônica divertida sobre o homo colletor no link:
< http://primeirafonte.blogspot.com.br/2012/02/homo-collector-catando-frutinhos-dia.html >
As ideias não têm dono... Mas têm autoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário